Tuesday, January 16, 2007

Cordões Desatados...

Não sou jornalista. Estou a tentar ser... Não sou mulher. Estou a tentar ser... Enquanto tento sou um bocadinho de todas as coisas sem ser nada exactamente.

Sinto-me jornalista quando vejo um trabalho ganhar forma e esse trabalho não me parece um trabalho de uma criança assustada. Para logo deixar de senti-lo quando atrás de mim nada existe, uma parede vazia que me atira à cara que sou ainda uma criança fácil de assustar. Uma criança que se aterroriza com o tempo que não tem e que enquanto vai pensando que não o tem vai deitando fora os seus minutos preciosos. Uma criança que pouco sabe do universo da vida - do passado, do presente e do futuro. Amedrontada com fantasmas de outros tempos que a qualquer momento podem aparecer em dias mais tarde e dar cabo do frágil presente.

Sinto-me uma mulher quando alguém me faz sentir bonita porque olha e sorri e desfaz anos e anos de complexos construídos em cima de complexos. Quando aqueles gestos, aquele olhar, aquela paixão com que se soltam as palavras me fazem pensar "e se...?". Quando distingo o bem e o mal sem grandes ilustrações. Quando me oriento sem "ziguezaguiar" pelos confusos labirintos que crescem como ervas ao longo do caminho. Para logo deixar de senti-lo quando uma voz e uns olhos simpáticos me tratam por "menina" e me lembram que era bom ser apenas uma menina - com cabelo louro e rebelde, ideias a borbulhar na cabeça, magicando aventuras sem fim, camisa desbarrigada e cordões desatados.

Então gosto de me sentir uma "menina". Prefiro "menina" a "senhora". Prefiro "menina" a "você". Prefiro "menina" a "tu". Refugio-me nesse "eu menina" e escondo-me do "eu mulher".

E quando dou por mim sou outra vez uma miúda medrosa a querer ser jornalista e a querer ser mulher e que dá por si não sendo nenhuma das duas.

Tuesday, January 09, 2007

A menina dança?

Saí das aulas já tarde. Era noite e esperavam-me no Cup & Cinno de Entrecampos. Deixei o carro na faculdade e desci as Forças Armadas até ao café. Descia a rua tagarelando com duas colegas como os trabalhos gostam de se acumular e como o tempo nunca é suficiente para os fazermos como os idealizamos.
De repente, a minha atenção fugiu bruscamente da conversa. Lá em baixo, um holofote acendeu-se iluminando o fundo da rua e deparei-me com algo que nunca tinha visto senão num filme - uma daquelas cenas que nos fazem sorrir quando visitam esporadicamente a nossa memória.
Uma rapariga descia. Um rapaz subia. Ela começou a dançar. Ele respondeu do mesmo modo - dançou. Os dois pareciam escutar a mesma música. Uma música que mais ninguém ouvia. Os movimentos ritmados. A alegria daquele ritmo.
Pensei: "Serão loucos?"
Se eles são loucos deixem-me ser louca também! Deus! Como eu quis juntar-me a eles, articular movimentos à toa, sem notas, levantar os braços e agitá-los energicamente no ar, rodar a cintura, dar vida ao corpo, sapatear a calçada, e simplesmente dançar. Dançar só para mim. Sem pensar que ninguém está habituado a ver as pessoas a dançar por aí sem questionar a sua sanidade... Dançar pela rua sem medo que pensassem que posso ser louca também.
Perdi-me naquela dança distante, naquele ritmo ausente, consegui por momentos ouvir aquela música que só eles ouviam.
Estavam cada vez mais próximos um do outro. Encontraram-se e a dança cessou, como que uma coreografia ensaiada mas desempenhada ao improviso e ao acaso. E desceram a rua como se um sopro tivesse apagado a melodia que ambos escutavam.
A rua voltou a ficar escura. E eu não dancei.