Thursday, January 22, 2009

A vista do Monte Molião

Subiu a custo aquele monte salvo pelos achados arqueológicos de outro tempo. Já não era miúdo. Quando chegou ao topo olhou em volta, ainda havia tempo antes de começar. Sentou-se naquele rochedo com o miúdo ao lado e ficou a observar enquanto as máquinas pesadas, agressivas, violentas se aproximavam com tudo menos boas intenções. O miúdo olhava sem perceber muito bem o que se passava. E ele começou a contar…

Quando era pequenino, assim, quase do teu tamanho, eu, o Tio Frederico, o Tio Miguel e o Tio Kiki fazíamos muitas travessuras na Quinta. Éramos terríveis! Bem, o Tio Miguel e o Tio Kiki eram piores, mas quando nos juntávamos os quatro, o pobre do João Borralho não tinha sossego.

Ele ria-se. O filho também.

– Mas o pior de todos, o pior de todos! Adivinha lá quem era!
– O Tio Kiki!,
dizia o miúdo.
– Com aqueles óculos de fundo de garrafa, aquele ar meio encolhido, o mais pequenino de todos, era é um belo sonso! E nessa vez, estávamos em casa, todos em sentido. Avizinhava-se uma tarde pacífica, sem confusão, quando o Tio Kiki chegou à sala ao pé de nós e nos disse: “Aí! Nem sabem! Vão deitar abaixo a casa do João Borralho!”. A casa do João Borralho não era a casa em que ele vivia, mas era onde ele guardava os sacos de farinha, de batatas, os cestos, as hortaliças, os caixotes e toda a tralha e mais alguma. Estava sempre empoeirada, cheirava a mofo! E nós chamávamos-lhe a casa do João Borralho.

E depois o Tio Kiki continuou, ele era assim (ainda é!), sempre cheio de ideias… “Sabem o que é que podíamos fazer?! Podíamos ajudá-los! ‘Bora atirar pedras ao telhado! Assim é mais rápido!” E nós que queríamos é brincadeira fomos todos atrás. Todos contentes da vida! Pegámos naqueles pedregulhos e começámos a atirar ao telhado e a partir as telhas! Todos às gargalhadas! Ninguém deu por nós… Nem os nossos Pais, nem os Avós, nem o pobre do João Borralho…

E disse o miúdo sorrindo…

– Asneeeeeiraaaaa…
– Grande asneira! É claro que o João Borralho não tardou a descobrir a travessura, correu logo a contar à Avó Graça, e enquanto a Avó Graça se arranjava com o senhor e pagava as telhas destruídas, nós arranjávamo-nos com os nossos Pais! E que arranjo! O quarteto todo de castigo! E a culpa foi do Tio Kiki! Já nem me lembro que castigo foi… Mas de certeza que foi duro!

O miúdo ria, ria…
E ele suspirava enquanto olhava em frente para as máquinas cada vez mais ameaçadoras, destrutivas… Coitado do João Borralho..., pensava.

– Oh Pai… Mas se vocês partiram as telhas do João Borralho e ficaram de castigo, aqueles homens das máquinas que estão a partir a Quinta também vão ficar…?

Ele olhou o filho e afagou-lhe os cabelos, com um aperto na garganta, um encolher de ombros, e mais uma vez, sem resposta. Depois abriu a sua cerveja e virou-se na rocha servida de assento. O Esperança estava mesmo a começar.