Tuesday, July 03, 2007

Conversas de Café

"Boa tarde menina! Para comer já sei que vai ser uma torrada, agora para beber é que já não sei…"
Gosto de pequenas rotinas. Gosto da familiaridade de chegar ao ‘meu’ café, e demorar-me no lanche do costume sem ter que pedi-lo. Gosto até das piadas sem grande piada do empregado do costume.
Sorrio. Realmente nunca sei bem que pedir, se um galão, se um ginger ale.. Depende da hora do dia, ou dos apetites, ou da força de vontade, sei lá…
“Hmm… Pode ser um ginger ale. Sem limão.”
E pouco tempo passa até o meu lanche do costume chegar acompanhado por uma das piadas do costume:
“Ora aqui está um ginger ale CHEIO de limão!”
Não faz mal. Acho graça como os hábitos se vão trocando, e se vão conhecendo.
Tento espreitar o livro que levo comigo, mas nunca tive muito jeito para fazer duas coisas ao mesmo tempo. Deixo o livro aberto, afasto-o ligeiramente e saboreio a torrada e o ginger ale.
À minha frente… Os clientes do costume. A brigada dos reformados. Paleio não lhes falta!
“Oh Lídio, aquele prédio! Aquele que ficava ali no Vale de Santo António, era assim que se chamava, Vale de Santo António… Um prédio muita grande! Foi o primeiro prédio que eles fizeram ali.”
Gosto de ouvir a conversa deles. Há ali, naquelas conversas de fim de tarde, sem princípio nem fim, algo que me embala, que me prende a atenção. Hoje eram cinco ali de roda de uma mesa. Há sempre aquele que mais fala, que repete os “pás” como quem inspira e respira. Esse sabe tudo. Os outros vão ouvindo, concordando, discordando, mandando o seu bitaique, soltando a sua lembrança.
Não sei as voltas que a conversa deu, mas sei que passou pelo António Costa (aos restantes candidatos à Câmara alfacinha ignorou). Nessa altura mais politizada devolvi o meu olhar à página que me esperava há já alguns minutos, quando ouço como que solta Meia-Praia.
“É a Meia-Praia sim”, diz um.
“Não aquela lá mais pra cima, a Dona Ana”, aponta o outro.
“Ali onde fica a ponta da Piedade, e depois há também o Porto de Mós. Mas é a Meia Praia”, ainda há quem diga.
E ali percorreram em menos de nada o roteiro balnear de Lagos ignorando que, atrás de si, uma lacobrigense ouvia atenta o percurso que desenhavam. Demoraram-se pouco porém, e passaram ao resto do Algarve: Portimão, Albufeira, Armação, Monchique, a Fóia (“Aos anos que não vou à Fóia, aos anos…”), Lagoa, Sagres, Tavira. Ali, todas meio soltas. Bocadinhos de férias de outros tempos.
“E ali, quando vamos por Lagoa, e depois vamos para o Carvoeiro. Eu ia muito para o Carvoeiro.”
Diz o outro:
“O Carvoeiro… Eu tomei banho nu no Carvoeiro.”
E ainda outro:
“Mas isso fica pra trás da Lagoa.”
Volta o anterior:
“Tomei banho nu no Carvoeiro. Em 1953…”
Ainda um deles:
“Mas o Algarve já está muita feio. Já não é o que era.”
Quando o pivot da conversa intervém:
“Sabem qual é a praia algarvia que está num roteiro com as 100 praias mais bonitas do mundo?! Eu vi isso num roteiro lá com os suecos! É a praia do Marinheiro, lá pró pé do Carvoeiro. E eu já lá fui!"
"Então e era bonita?"
, pergunta alguém.
"Ah, era uma praia normal, estava arranjadinha, tinha lá as rochas, tipicamente algarvia, e tinha as ravinas a cair."
A conversa não podia ter acabado da melhor maneira:
"Para mim as cidades mais bonitas do Algarve continuam a ser Tavira e Lagos", disse o senhor que em 1953 tomou banho nu no Carvoeiro.
E entretanto a conversa dispersou-se…
"Aquele cão, que cão é?"
"É um caniche", diz o sabichão, "é o cão dos franceses."
E pedi a conta. Que veio com mais uma das piadas do costume. O empregado simpático voltou a duplicar a soma do meu lanche. Mas não há razão para alarido. Eu sei que a conta é simplesmente a do costume.