Thursday, May 15, 2008

O Livro do Doutor Octávio

A Rua Conde Sabugosa continua igual. Desde há muitos anos. Ali meio escondida nas traseiras da Avenida de Roma, um movimento meio confuso de pessoas entre o Pingo Doce e aquele semi-estacionamento no meio do nada – que parece atrapalhar mais do que arranjar lugar, a pouca seriedade do Cotton Club sobre um tradicional Sapateiro, buzinas e manobras estranhas, a clandestinidade apenas de um Coffee & Pot num canto, no outro a montra do café do Centro Roma.

Era aí que estava. Sentada à janela. Sozinha. Na roupa chorava o seu luto.

Há pessoas que nos deixam memórias muito queridas. O Doutor Octávio e a Dona Maria Luísa sempre foram assim. Sempre houve qualquer coisa na voz de um e de outro de muito acolhedor. Desde que por aquelas ruas me passeava pela mão da Avó Graça e o nosso passeio encontrava o deles. O Doutor Octávio muito cavalheiro. A Dona Maria Luísa muito meiga.

« - Olá Dona Maria Luísa. Lembra-se de mim?»
« - Oh, claro que me lembro!»
« - Estava a passar e via-a aqui à janela, então vim dar-lhe um beijinho…»
« - E fizeste tu muito bem!»

Sentei-me um bocadinho. Contou-me como estava. Como já tinha estado pior. Tinha os olhos tristes, mas havia algo de forte no seu estado de espírito. Havia energia na sua voz.

Contou-me que tinha almoçado tarde com uma amiga, que depois se tinha sentado a tratar da correspondência do Ministério da Justiça e que agora estava a ler um bocadinho.

« - Este foi o último livro que o Octávio leu… Disse-me que tinha gostado muito e que eu tinha que lê-lo. Só agora é que consegui pegar nele. E estou a gostar... Queres ver? Ele sublinhou e fez aqui umas anotações…», contou-me, acariciando aquele livro gordo de páginas com as suas saudades.

Eu tinha um preconceito em relação a escrevinhar o que quer que fosse nos livros. Sentia que estava de alguma maneira a faltar ao respeito a esse “objecto imaculado”. Esse preconceito já não o tenho. Perdi-o...

Perdi-o quando a Dona Maria Luísa me mostrou o livro do Doutor Octávio.

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

que bom que é ler o teu blog, mesmo que só apareça um post muito de vez em quando.
De qualquer forma, consegues por-me um sorriso com tudo o que escreves.
Sou a tua fã nº1!

4:45 PM  
Anonymous Anonymous said...

Muito bem dito. Muito bem sentido.São as memórias que fazem de nós, ontem, o que somos hoje.
Nunca mais passa a chuva para comermos o tal gelado e ler os tais poemas que vieram lá de longe !

8:54 AM  
Anonymous Anonymous said...

Minha Querida, és o máximo e cada vez gosto mais das coisas que escreves. Com as tuas palavras, no meu rosto transparecem várias expressões, eu tenho muito orgulho em ti, CONTINUA. UM BEIJO MUITO GRANDE!

11:50 AM  

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