Sunday, November 04, 2007

Carioca de Limão

O Outono chegou, quem diria. As paredes de casa sussurram o friozinho que na azáfama da calçada e no afogueado da respiração passa despercebido. O cobertor pede mais uso, ou o corpo pede mais cobertor, não sei...
Os dias são de muita luz, tanta e tão bonita que as folhas das árvores (as mesmas que suplicam aos ramos que as abracem com força para que não as deixem cair) ganham uma cor acolhedora quando tocadas pelo sol que a gosto se demora nos seus tons de Outono.
Mas há já um friozinho, dizia eu… Esse friozinho chega-nos em casa e acompanha-nos até à rua quando saímos. Depois levamo-lo na cabeça até encontrarmos o conforto daquele café que sempre nos espera. Uma mesa e uma cadeira a um canto e à janela, para que esta nos dê a rua, passerelle irrequieta das gentes que agitadas desfilam.
Teimo na audaz vontade de fugir ao pedido do costume. Não quero torrada, não tenho fome. Não quero ginger-ale, tenho frio. Não quero galão, não me apetece.
“Trazia-me um carioca de limão? Em chávena grande…”
E o carioca de limão veio bem mandado. A fumegar ligeiro, cascas de limão a bailar no fundo da chávena como xaile rodando num pano amarelo brincalhão. Queimo a ponta da língua, sempre queimei. “Burro velho não aprende línguas”, penso… Sopro de mansinho enquanto aqueço as mãos segurando a chávena.
Parece agora no ponto e provo. Provo e demoro-me no primeiro beijinho que dou ao amarelo fumegante. Fecho os olhos e recuo, rebobino, recordo... Aquele sabor tem tantas histórias, tantas lembranças. Lembranças que me acariciam. A voz… A sua voz. Lembranças daqueles fins de tarde na Suprema ou na Mexicana (onde na telefonia tocava o animado discutir dos periquitos), quando Lisboa era ainda um Mundo aos meus olhos, quando a Avenida de Roma era a minha Lisboa, ali, tão perto da sua casa.
Estendia-se um bocadinho até à Feira Popular (a Lagarta, o Carrossel da Selva, a Casa e o Comboio do Terror!), fugia por vezes às Amoreiras (pé ante pé nos sapatinhos de quarto da Bambi), escorregava pela Avenida da Igreja que guardava (e ainda guarda!) a Conchanata, escapulia-se outras tantas vezes ao cinema, não sei bem quais e agora às lágrimas só me vem o King. Era ali tão perto. Era mesmo ali. E ali era tudo, era Lisboa, a minha Lisboa. Tão perto da sua casa...
E que bom era hoje poder tê-la aos Domingos como companhia, a sua voz embalando as histórias de final de tarde, o seu sorriso espelhado no meu carioca de limão.
Que bom seria tê-la sempre nesta minha Lisboa de hoje. Sempre perto da minha casa.