Friday, April 17, 2009

Pé Descalço no Muro

Menina que passeava, ausente, sobre o muro. Para lá. E para cá. Para lá. E para cá.

Abria os braços, mantendo o equilíbrio, e corria o muro desligada. Invulgar o equilíbrio na sua natureza desajeitada – aquela que não lhe permitia aprender a atar os cordões dos sapatos, a mesma que lhe dificultava o desenho de uma linha recta, a mesma que espicaçava o seu desempenho nas tarefas domésticas. Desajeitada, trapalhona, trôpega, estouvada.

Mas naquele muro não. Naquele muro ela flutuava, flutuava. Trauteava uma canção. Flutuava, flutuava… Braços que se abriam em asas. Flutuava, flutuava… E assim se fechava nesse mundo tão seu. Em cima do muro. Para lá. E para cá. Para lá. E para cá.

E enquanto percorria o muro que de velho se desfiava, enquanto abria os braços e voando flutuava, enquanto escolhia a canção que baixinho trauteava, enquanto fechava os olhos e sem temer se equilibrava, a sua cabeça manivelava histórias com princípio, sem Fim.
Fazia, sentia, existia. Imaginava, sonhava, vivia. Num vazio de nãos, um oco de nuncas, um vácuo de finais. Tudo se dava. Tudo se podia. Tudo acontecia.

Em cima do muro, enquanto flutuava. Para lá. E para cá. Para lá. E para cá.

Muro que conhecia os seus pezinhos, muro que vigiava o seu passo, muro que a levava ao colo, muro que guardava os seus segredos. Muro velho, muro cansado, muro amigo. Que além-sonhos roubava o prefixo ao Impossível.
Doce engano, doce ilusão, fábula, fantasia... Não faz mal...

Desde que ajude a adormecer.