Saturday, June 07, 2008

«Quem tem Farelos?» É dia de mercado…

"Life is just like a merry-go-round, with all the fun of a fair"

É dia de mercado, manhã de alvoroço. Crianças pela mão. Do pai, porque as mães têm mais que agarrar, que escolher, que tirar, que refilar, que negociar, que regatear.

Sou só mais uma obreira no meio dos formigueiros de pessoas que se dirigem para aquele átrio mercante.

A proximidade do terreiro é anunciada por pregões que prometem aquilo que nunca darão. Mudanças de rumo, recuos certeiros, passos à frente. Desvios e uma dose saudável de tropeções. A um bom preço (dizem eles!).

Ora bem… Arregaço as mangas e cheguei.


Na barraquinha do trabalho peço baguinhas de focagem. Anda rara por estas paragens e há que aproveitar que hoje é dia de feira. O mercado da vida não tem só farelos, tem tudo. Dão-me baguinhas dois-em-um, diz que também dá energia, e eu acredito. Sou levada muito facilmente…

«Dê-me lá meio quilo homem, está com sorte que é a primeira barraca!»

Levo o foco e a energia, e sigo caminho. A manhã ainda mal começou. Peças de roupa em preço de ocasião. Vamos cá espreitar…

«Ora muito bom dia, menina. Então que lhe falta no guarda-fato?»
«Faltar, faltar, não me falta nada… Mas não encontro as minhas calças de montar…»
«Ai sim?! Eram aquelas verdes, na é verdade?!»
«Boa memória a sua… Calhando, ainda se lembra do meu nome...»
«Oh menina, não se estique que os clientes aqui são aos milhares! Leve mas é daqui as calças de montar e pague depois da ponte no picadeiro… Olhe… E aproveite e arranje mas é também umas botas que a senhora sua Mãe já pregou um chuto nas suas!»

Com esta não me meto. Tenho as calças, vou às botas, amanhã já monto. Antes de fugir, ela ainda me grita:

«Olhe! E pague em aflições! Que eu bem as ouço aí a chocalhar!»

Finjo que não ouço. Adiante. Que movimento! Anda tudo doido “à pergunta” de linhas e contornos. Tudo doido "à pergunta" de um trilho menos atribulado…

«Olhe, é aqui que se trocam obsessões?!»
«Depende menina… O que é que tem p’ra troca?!»
«Simetria e normalidade.»
«Ooh menina, hoje em dia a essas já ninguém as quer!»
«Hmm… E com preconceito, já faz alguma coisa?!»
«Esse ainda se troca por qualquer coisinha, ora mostre cá…»

Bem, fogo à peça. Vai a manhã a meio e eu com tanto por assuntar… Fogo à peça!

«Então e aqui, o que vende?!»
«Vendo cantigas menina, vendo cantigas….»
«Quanto é que leva pelo bandolim?!»
«Este é só para quem sabe tocar… A menina toca?»
«Não deve andar a precisar de vender, não... E o gira-discos está a um bom preço?»
«O didgeridoo?!»
«Não, o gira-discos.»
«Didgeridoo não temos menina.»
«O gira-discos, homem!»
«Aah… Olhe menina, para si – e só porque é para si – são dois segredos!»
«Dois segredos?! Isso é muito caro…! Deixe lá, fica p’ro São João!»

Oooohhh… Aí vem ela… Estou bem arranjada. Não me basta a multa, agora tenho a praga…

«Ai menina, vejo-a tão rodeada de inveja, não é melhor ler-lhe a sina, não?!»
«Cruzes! Afaste-se de mim, mulher!»

Boa altura para ter uma feiticeira como inimiga…
Também… Qualquer coisinha, vou ali desanuviar para a Fonte da Telha. O barril está a um bom preço para esses devaneios.

«Olhe, não me sabe dizer onde posso comprar Tempo, não?!»
«Oh minha filha… Vêm cá todos atrás do mesmo…»
«É um bem de luxo, sabe como é…»
«Pois, mas aqui não há disso…»
«Ai não…? Mas olhe que me disseram que este era o melhor sítio para encontrá-lo…»
«Mentiram-lhe.»
«Bandidos…»

Bem… Só me restam alguns trocados… (é que sempre que se fala em Tempo, voam alguns tostões...)

«Bla bla bla bla bla bla la Toscana meravigliosa?»
«Hmm… La bella Toscana…»

Preço em páginas.
Troco em Chianti.
E assim conversamos.

Chego ao fim do mercado. Acaba numa parede. Que chatice. E agora que o ar estava tão agradável. Dou meia-volta. Levo os bolsos vazios. Já nas mãos levo todo o cheio dos próximos meses.