Sunday, May 20, 2007

Valha-me Santa Bárbara que troveja!

Pico cebolas, pingo azeite
Tenho feito um refogado
Junto arroz a meu deleite
E preparo um cozinhado.

Salpico o lombo de especiarias
Espremo bem meio limão
Adivinham-se iguarias
Enquanto acendo o fogão.

Meio litro de cerveja
E o vinho a muito frio
No saleiro, o que sobeja?
“Oh Diabo! Está vazio!”

Não há erva nem tempero
Que me valha o lombo assado
Sem do sal uma pitada
Lá se foi o cozinhado…

Porque é que achamos que há ingredientes na nossa despensa que nunca vêem o fundo do pacote? O sal, o arroz, o açúcar… Acreditamos que naquele armário do cantinho da cozinha que nos serve de armazém, o sal, o arroz e o açúcar têm uma fonte que não se esgota. Esvaziam-se os pacotes e ninguém dá por isso.
Até ao dia em que serão cruciais para aquele cozinhado que magicámos na nossa cabeça e de que nos conseguimos convencer que vai surpreender: a nós, alegres artesãos do feito em causa, e aos nossos convidados, a quem ludibriámos e persuadimos a ser os privilegiados cobaias de uma invenção culinária sem par.
Então, nesse dia, julgámos ter pensado em tudo: no vinho que já pusemos no congelador, no acompanhamento requintado que elaborámos ao sabor da imaginação, na sobremesa que pedimos à nossa prendada convidada para trazer, na toalha de mesa lavada e passada e com uma base para vinho (a condizer, pois, com o serviço!) sobre aquela nódoa de gordura que teima em não sair, nos talheres de sobremesa, nos guardanapos de pano, nos copos de vinho e de água, nos aperitivos e digestivos, e até nos sumos para aqueles que não estão habituados a acabar o repasto com um grãozinho na asa.
Arregaçamos as mangas para temperarmos a nossa especialidade com o nosso tacto mágico, e quando agitamos o pote de sal – nada! O arroz só há para meia chávena, o que não enche sequer um prato! O açúcar… Bem, com esse não temos que nos preocupar, porque, lembrem-se, pedimos à nossa amiga prendada para se encarregar das sobremesas (a não ser que um convidado inconveniente se lembre de pedir açúcar para o café! Ah, mas isso já era falta de sorte! É melhor não servirmos café…)

O problema não é de simples solução. Porque temos o condão de só nos lembrarmos de Santa Bárbara quando troveja, também só começámos a preparar o tão esperado jantar à última da hora. Não há Mini-Preço, Pingo Doce, Continente que nos acuda… E, convenhamos, quem é que já viu sal, arroz ou açúcar à venda numa estação de serviço?!
Podíamos sempre procurar o auxílio do vizinho, mas no meu lance de escadas o conceito de “aldeia global” não sobe nenhum degrau. Senão vejamos… Desde o meu 3º direito não sei o nome nem do esquerdo, nem tão-pouco me apercebo da constituição do seu agregado familiar. Do 2º direito, só sei que o senhor gosta muito de conversar e não é do mesmo clube que eu (haja pés para sapatear quando o Benfica põe a bola na baliza!). Perco-me a partir daí e só volto a reconhecer a senhora do rés-do-chão esquerdo que fuma que nem chaminé de fábrica no auge da Revolução Industrial e que tem um cão que ora me ladra simpático, ora salta para cima de mim para autografar as minhas calças.

Posto isto… Troveja-me a falta de sal no meu jantar convívio e nem Santa Bárbara me vale com ricas salinas a condimentar o apartamento de um simpático vizinho.

5 Comments:

Anonymous Anonymous said...

deixa lá! Acontece a quem cozinha! :P
sal tambem só faz mal aos diabetes! (acho que é aos diabetes que faz mal... whatever...).

2:20 PM  
Blogger Makejeite said...

Ouve!!! Eu nem sei mesmo que te diga!

9:06 PM  
Blogger Carlinha said...

continuas a escrever tão bem, graçinha... está-te no sangue!! há coisas que de facto acontecem e se repetem sempre e são comuns a toda a humanidade. um grande beijinho leiriense. espero q tudo vá bem contigo.

8:56 PM  
Anonymous Anonymous said...

Se fizeres nas tuas escadas a rambóia que fazes nos hotéis só porque queres ser fotografada numa red carpet...é normal que os teus vizinhos não te emprestem sal/arroz/açucar.Que barbaridaaaaaaaaaaaaaaaaaaad

9:57 AM  
Blogger Fátima Santos said...

delicioso!
"Podíamos sempre procurar o auxílio do vizinho, mas no meu lance de escadas o conceito de “aldeia global” não sobe nenhum degrau."

9:00 AM  

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