Sunday, April 15, 2007

Chaminés Algarvias

Procurei algures numa feira baratucha uma bicicleta como eu. Que se movesse a pedaladas antigas. Encontrei-a. E hoje levei-a a passear por Lagos. Não pela cidade, mas pelas novas urbanizações "arborezadas" nos caminhos que vão dar às praias. Impressionante como crescem por todo o lado casas que não sendo propriamente feias parecem não se entender umas com as outras. Como se uma 'mesa-redonda' reunindo pessoas que simplesmente não falam a mesma língua. Uma velha Torre de Babel. A maior parte não são de facto feias. Tentam colorir-se suavemente, como que deixando o vento pincelar tons de amarelo, rosa, laranja e até branco. Mas variam nas formas, e as formas por vezes chocam umas com as outras... Onde umas crescem e criam janelas em cilindros de tijolo, outras arranham-se em rectângulos que quase tocam as vizinhas em tom de provocação.

Mas estas casas estranhas têm algo em comum. Dão as mãos umas às outras a partir de um telhado sempre mais ou menos tradicional. Todas erguem para o céu a mesma chaminé algarvia. São todas iguais. Aquela mesma chaminézinha que percorre vilas, aldeias e cidades, e até casinhas isoladas nos montes e serras do barlavento ao sotavento, e que é facilmente reconhecível nos livros de geografia da escola. Uma mancha preta que denuncia cozinhados apetitosos à moda da região. Uma caractetística pitoresca no meio de arquitecturas tão adversas umas às outras. Essa chaminé algarvia que nos convence de que no meio dessas casas tão diferentes umas das outras, tão diferentes de nós, ainda há um sopro ligeiro do antigamente. Alegra-me a ideia de que sim, ainda estou no Algarve mais rústico e não no algarve turístico que atrai milhões em época de veraneio mas que afasta infinitamente os outros que lá cresceram, entre corridas na praia, pescarias em alto-mar, trapézios em amendoeiras em flor e a tez bronzeada do sol.

O passeio continua. O caminho atribulado de terra quase batida despede-se das urbanizações novas da cidade e dirige o pedalar trapalhão da bibicleta centenária até ao mar. É o vento e a brisa que a puxam agora, porque o pneu já vazio e os músculos já cansados pouco fazem pelo movimento. De novo a estrada, o asfalto. O trânsito - nenhum. Ao fundo acena-me o farol da Ponta da Piedade. Finalmente lá, entre um cafézinho e uma barraquinha para turistas semi-vazios, o mar e o abismo cada vez mais perto. Dou repouso à minha relíquia e aproximo-me quase tanto quanto posso. À minha frente só o Mar. A sua cor. O seu fresquinho. As rochas que se impõem do meio dele. Uma gaivota ou outra que providenciam a banda sonora. Tenho vontade de abrir os braços, fechar os olhos e respirar bem a fundo aquilo que o Atlântico me devolve. E aí, penso eu, nem as chaminés algarvias fazem falta para me lembrar de que sim, eu pertenço aqui!

2 Comments:

Blogger Makejeite said...

Divinal? Será? Digo eu, sei lá!

12:39 PM  
Blogger Concha said...

Nada se compara às raízes de uma pessoa! O sentimento de pertença é quase intraduzível, mas o teu texto consegue expressá-lo muito bem! :)

11:07 PM  

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